quinta-feira, 24 de março de 2016

CAIU

Por Edson Vidigal

A primeira luz chegou, e depois outra, e outra, e outra, enquanto a inocência se foi. 
Deslizou pelo canto, de leve, num breve suspiro de tempo que deitou manso, manso, manso, manso...
Deixou pra trás esse manto de pontos coloridos brilhantes, que me inunda desse céu de estrelas que toca o chão. Desse firmamento lento, que desce a rua, que escorrega o asfalto, que buzina minha alma desligada, desprevenida, aliviada. Um perigo que acorda do longe, antes que seja tarde. 
Mas não estou lá. Apenas me pinto deitado nessas nuvens de descanso solto. Nessa sensação de sorver o nada que ampara o vazio de uma noite que durará alguns dias. Tudo na esperança de esperar, seja lá o que for.
O certo é que a vida segue, o vento segue, as ruas seguem, os carros, as motos, as pessoas, as estórias e, finalmente, as palavras.
Tudo na inútil tentativa de brilhar, na ausência da escuridão.

terça-feira, 15 de março de 2016

O EREMITA

Ele vinha de um lugar ensolarado, quente, úmido, onde as tardes eram manhãs de abril. Deitou, descansou, sentiu o vento, a brisa, a tempestade, o beijo da chuva, que inundou seu peito, que afogou sua paixão.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

SONHO DE UMA NOITE DE VERÃO

Por Edson Vidigal*

Lá estavam eles, como sempre, em suas máquinas de sonhos, unidos por teias sedosas de vontades e delícias. Vivendo o sonho comum, em meio ao sono de cada um.

Era assim que se podia ver aquele país distante, naquele pedaço de mim onde podíamos estar só com os outros, vivendo um eterno final.

Sonho que um dia alguém sonhou, que se torna real a cada um a cada noite.

Amando os que nos amavam, tudo era tudo e todos os inícios eram o melhor retorno.

Um sonho comum onde vontades se realizavam na forma de uma noite perfeita.

Onde a chuva lavava e relvas sopravam o canto do lindo esquecimento.

Um sonho todo azul ao som de suave flauta, terno toque que nos molhava o corpo e o gosto em algum lugar naquela imensidão cremosa.

Cada suspiro se encantava em beijo. Cada sorriso se desmanchava em flores. Tudo era um tênue limiar além da razão e do sentir. Um sonho bom.

Mas ela queria mais.

Queria seu próprio sonho. Algo que sonhara um dia, antes dos finais felizes, antes dos entardeceres em close contra a luz.

Ela queria a sua versão. A sua própria estória de amores desencontrados, de paixões desperdiçadas. De pesadelos, de faltas, de busca.

E fez daquela noite um dia ensolarado e quente. Tornou Sufocante e seco aquele úmido que encharcava os olhos. Fugiu de todo o sonhar. De toda a gente. Deixou de existir nos jardins de todos os que ousaram com ela amar.

Desistiu daquela cama macia, daquela seda gelada, daquelas plumas aladas de anjos bons. Sentiu sua própria carne, sua própria face, sua própria fome.

Levantou-se e se viu nua. Sozinha e entregue ao seu próprio azar. Apoiou os pés no chão e deu um passo. Depois outro. E aprendeu a andar em seu mundo só.

Já longe da cama, não dormia mais.

Apenas seguia seu coração partido em busca de uma falta qualquer.

Algo qualquer que valesse a pena faltar.

Algo qualquer onde encontrasse sua dor.

Algo qualquer.

E acabou por se perder em dobras e mais dobras de um imenso lençol que, longe da cama, cobria o nada. E quanto mais cavava, mais se enterrava sufocada em si mesma, nas tramas que as moiras lhe teceram um dia.

...Tempos depois, numa bela noite, ele cansou de sonhar.

Aquela foto iluminada em matizes douradas, aquele ponto de fuga de perspectiva perfeita, nada casava com a imagem que queria dela. Aquela criatura tão livre, tão solta, tão carente de novos espaços e novas cores.

Foi então que percebeu sua falta.

Acordou naquele sonho onde tudo era brando, tudo era morno. Onde tudo agradava ao toque e cada sorriso era a mais perfeita criação.

Queria vê-la. Desmamar-se de seu copo cheio, desamparar-se de sua cama limpa, perder-se em suas perdas.

Matou-se de seu sonho lindo, violentou-se de sua esperança. Morreu-se de sua beleza.Em um só fôlego, atirou-se de vez naquele negro mar.

E afogou-se inteiro em suas negras correntes, que o libertariam para todo o sempre naquele imperfeito amor.


‪#‎juntossomosmuitos‬.

* Edson José Travassos Vidigal foi candidato a deputado estadual nestas eleições pelo PTC, número 36222. É advogado membro da Comissão de Assuntos Legislativos da OAB-DF, professor universitário de Direito e Filosofia, músico e escritor. Especialista em Direito Eleitoral e Filosofia Política, foi servidor concursado do Tribunal Superior Eleitoral por 19 anos. Assina a coluna A CIDADE NÃO PARA, publicada no JORNAL PEQUENO todas as segundas-feiras.

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sábado, 31 de janeiro de 2015

NUNCA TE ESQUEÇO

Era uma noite linda. Tranquila. As janelas abertas e um tempo gostoso, que dava pra dormir de camiseta e calção sem sentir calor ou frio. Dessas que a gente facilmente se entrega e se deixa levar pelo aconchego de nossos sonhos de criança.


Não lembro em que momento foi que aquela fada linda, azul da cor da lua, delicada, frágil e tímida, entrou por minha janela e, sem dizer uma palavra, deitou-se ao meu lado e se encolheu em mim.


No fundo de meu coração ouvi sua carne me pedindo pra que eu ficasse quietinho ao lado dela. Que fôssemos um ao outro apenas um abrigo seguro naquela noite linda em meio aos dias de decepções e medos.


Foi tudo o que ela me pediu calada em troca daquele momento único de sua entrega completa à minha alma nua.

Até hoje sonho com aquele momento fugaz que me beijou por inteiro, e com o infinito vazio que ficou para me lembrar pelo resto de minha existência que nunca devemos trair nossos próprios corações.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

FALTA DO QUE DIZER

Por Edson Vidigal

Depois de algum tempo, acostuma-se a tudo.

E já agora, com uma chuvinha fina na janela, um céu que não se vê o céu, uma paz fria, seca por dentro e molhada por fora, carros passando sobre as águas das ruas fazendo ondas ao lado do rio e um ou outro rosnado de um ônibus (auto-bus por aqui...), chego a me sentir em casa no meu quartinho apertado e frio.

Dores nas costas, frio nos pés, um cheiro esquisito que hoje em dia sai de todos os colchões e travesseiros que compramos

Dizem que o cheiro é do produto anti-ácaro, anti-fungo, anti-alérgico, e pelo jeito anti-sono. Não se pode dormir com isso. Afinal, serve pra quê?

Quando se está sozinho é preciso tomar cuidado com a disciplina. Pois longe dos olhos e das reclamações dos outros podemos fazer o que quiser. Ou deixar de fazer o que quiser. E isso, no fim das contas, acaba nos levando a descobrir que o que não faz mal pros outros faz mal a nós mesmos.

A chuva fina me impele a continuar deitado. Fazendo nada. Divagando entre as letras enquanto a bateria do computador não acaba.Os tons de amarelo velho permeiam as paredes, as cortinas, a luz que vem do abajur, e até o diálogo lá longe vindo de alguma televisão. E no meu pequeno quartinho, tudo está a mão, inclusive esse cheiro horrível e incómodo anti-ácaro.

Às vezes o prédio, já velho, se estica, se contorce, dá uma alongada nos ossos. Uma estalada aqui, um gemido lá. Gememos talvez para lembrar aos outros (ou a nós mesmos) que ainda estamos vivos. Seja isso pro bem ou pro mal.

O fato é que na falta do que escrever, vamos soltando as palavras na espera de que algo aconteça. Na espera de que aquele amontoado de letras acabe por fazer algum sentido a alguém, por mais que não faça nenhum a nós. Quem sabe?

O que trazemos ao mundo não mais nos pertence. Somos senhores apenas de nossas ilusões.

Já parou pra tentar escrever imediatamente tudo o que lhe vem a cabeça?

Tente esse exercício! Vai se arrepender

Como me arrependo agora.

INSTAGRAM

Por Edson Vidigal

E lá estava ele.

Sua esposa a lhe olhar os sapatos.

Seu espírito a lhe sugar o chão.

Coisas que acontecem.

Momentos que se esvaem em completa morte de tudo o que segue. Um pós-modernismo subjacente às estruturas humanas, onde instantes plenos rompem todo o encadeamento da estória.

Mas não se podia evitar que tais singularidades ocorressem, assim como não se podia evitar que a continuidade crescesse, sedimentasse trocas e fluídos.

A oportunidade é a mãe da necessidade. E o necessário não é preciso, como sei que me confirmaria o Vaz.

Nessa vida tudo é troca, tudo é fluído. Um cansativo repetir de singularidades que se sobrepõe aleatoriamente em fotos e mais fotos na linha da vida de uma rede social.

Como aquela no facebook, onde um olhar e uma palavra lhe diziam muito mais do que queria ouvir.

MEMÓRIAS DE UMA COXINHA DE GALINHA

Por Edson Vidigal

Então um louco doce se vestiu de salgado e logo se viu perseguido por uma cerveja. Tomou-lhe a boca da garrafa e, de um só gole, deixou a pobre terrivelmente apaixonada por seu gostinho inesperado.

Não fazendo mesmo nenhum esforço pra se controlar, a loura (não mais gelada, mas sim embaçada e suada) fermentou, borbulhou e explodiu em espuma, toda derramada em cima daquele pano branco amarrotado, puído pelo tempo, já manchado de outros temperos e molhos.

O pobre pano, desavisado, seguia incólume a sua triste sina. Escondia em vão (ou realçava) aquelas pernas finas (já tão roçadas por tantas outras), que diariamente eram fecundadas de idéias, de amores, de paixões, de desilusões e de infinitas outras estórias.